Companhia proprietária da aeronave foi constituída com dinheiro do
governo venezuelano e de empresário chinês preso por corrupção
Avião que caiu com a Chapecoense em voo anterior, personalizado para a Federação Venezuelana de Futebol
A história da companhia LaMia, a quem pertencia o avião
que caiu na Colômbia enquanto transportava a equipe da Chapecoense na
madrugada de ontem, é marcada por negócios mal sucedidos que se originaram de
uma parceria entre um empresário espanhol radicado na Venezuela, um magnata
chinês que prospectava negócios na África e o governo venezuelano ainda na
época de Hugo Chávez.
A companhia LaMia (Línea Aérea Mérida
Internacional de Aviación) foi fundada em 2009 numa iniciativa do então
governador de Mérida, Marcos Díaz Orellana, para impulsionar o turismo local. O
principal aeroporto do Estado, Alberto Carnevalli, localizado em meio aos andes
venezuelanos, só recebia voos particulares desde fevereiro de 2008, quando um
avião da companhia Santa Bárbara se chocou contra uma montanha logo após a
decolagem, matando as 46 pessoas a bordo.
A primeira aeronave comercial que
voltaria a pousar no aeroporto, em 16 de agosto de 2010, pertencia
justamente à frota da recém-inaugurada LaMia. A estreia da
companhia foi aclamada com pompa pelo Correo Del Orinoco, jornal
criado por Chávez e editado pelo governo venezuelano, como um “sonho
materializado para os habitantes de Mérida”. As expectativas que cercavam a
companhia de capital misto (estatal e da iniciativa privada) era grande. Os
planos é que ela iniciaria a operação com 12 aeronaves, cada uma ao
custo de 20 milhões de dólares, e se expandiria para rotas no
exterior, em Panamá, Aruba, Trinidad y Tobago, Manaus e Boa Vista.
Acontece que Sam Pan é bastante conhecido na imprensa
internacional. Numa extensa reportagem do Financial
Times publicada em agosto de 2014, ele é apontado como o homem que
abriu as portas dos países africanos para as estatais chinesas explorarem
recursos naturais do continente. Uma das principais parcerias firmadas envolvia
a petrolífera angolana Sonangol. “Durante a última década, Pa ergueu-se da
obscuridade para conseguir negócios em cinco continentes no valor de dezenas de
milhares de milhões de dólares”, diz o artigo assinado pelo jornalista Tom
Burgis, autor do livro ‘A Pilhagem da África”. Em agosto do ano passado, Sam Pa
foi preso em Benjing por uma investigação movida pelo próprio partido comunista
chinês contra integrantes suspeitos de corrupção.
Se os negócios de Albacete vingaram, conforme ele e o
governo venezuelano esperavam, não é possível ter certeza. Com exceção dos
eventos citados acima, a imprensa venezuelana pouco falou da empresa
considerada orgulho nacional. O fato é que, a partir de 2015, a LaMia
venezuelana passou a alugar os seus aviões para uma empresa boliviana criada
com o mesmo nome, cujo principal negócio era fretar viagens para times e
seleções sul-americanas. Entre as aeronaves locadas, estava o modelo Avro
RJ85 (ver vídeo abaixo) que caiu numa região próxima a Medellín, na
Colômbia, vitimando 75 pessoas.
A LaMia boliviana tem como sócios o piloto Miguel
Quiroga, que conduzia a aeronave e morreu no acidente, e o diretor-geral
Gustavo Vargas. A VEJA, Vargas confirmou que as aeronaves pertenciam
a Albacete e que pagava por elas um valor mensal. A reportagem não conseguiu
contato com Albacete, que se encontra atualmente na Espanha.
Em uma entrevista concedida ao jornal espanhol El
Confidencial nesta terça-feira, Albacete afirmou que a responsabilidade das
aeronaves era da companhia boliviana. “Não somos sócios ou empregados de LaMia
Bolívia, e sim de LaMia Venezuela. Deixamos o mesmo nome por causa da
pintura dos aviões. Nós somos os únicos que alugam aeronaves para eles, mas o
avião é operado pela empresa da Bolívia”, disse ao jornal. Albacete também
comentou sobre a sua relação com o ‘amigo’ chinês – “Ele iria comprar a
aeronave, mas no final não se concretizou nada” – e aventou a possibilidade de
que o avião de 17 anos teve uma pane elétrica após ser atingido por um
raio.
Especialistas ouvidos por VEJA dizem que um dos
pontos chaves da investigação é descobrir qual era o plano de manutenção da
companhia. “Não existe avião velho, mas avião sem manutenção”, disse George
César de Araripe Sucupira, presidente da Associação de Pilotos e Proprietários
de Aeronaves (APPA). Ele também frisou que qualquer hipótese que for levantada
neste momento, antes da análise do conteúdo gravado pela caixa
preta, é “mera especulação”.
Por Eduardo
Gonçalves (Extraído da Revista Veja online)
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