A judicialização da Saúde tem comprometido cada vez mais o Orçamento de municípios da região. As decisões que, em sua maioria, obrigam prefeituras a fornecerem medicamentos de alto custo fora da lista do SUS (Sistema Único de Saúde) ou sem registro no Brasil, só neste ano, fizeram com que quatro cidades do Grande ABC (Santo André, São Bernardo, São Caetano e Diadema) desembolsassem R$ 6,5 milhões para atender pedidos judiciais.
O assunto, que tem ganhado repercussão nacional nos últimos meses, incluindo o julgamento do tema no STF (Supremo Tribunal Federal), é visto por prefeituras como um grande prejuízo aos cofres públicos, tendo em vista o impacto que essas ações geram no planejamento municipal.
Dados repassados por prefeituras do Grande ABC (com exceção de Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra) mostram que prefeitos e secretários precisam se desdobrar para cumprir as liminares e sentenças sem comprometer suas finanças para o custeio de serviços básicos.
Santo André, que atualmente atende 760 pacientes por ordem judicial, é um exemplo claro desta realidade. De janeiro a outubro, a Prefeitura já desembolsou R$ 4,1 milhões com a compra de medicamentos que são fornecidos por meio de liminares da Justiça. Dentre as demandas estão itens como insulinas análogas (tratamento de diabete) e o fármaco Rosuvastatina (usado para prevenção de doenças cardiovasculares).
Embora o montante gasto por Santo André nessas ações judiciais represente somente 0,7% do orçamento da Secretaria de Saúde da cidade, estimado neste ano em R$ 562 milhões, o valor, em uma conta hipotética, seria suficiente para bancar três meses o funcionamento da UPA (Unidade de Pronto Atendimento) Central, que é considerada porte 2 e possui um custo mensal estimado em R$ 1,5 milhão.
“Não podemos desmerecer a necessidade de nenhum indivíduo, no entanto, é preciso deixar claro que, ao mesmo tempo em que você entra com uma ação para conseguir determinado medicamento, você também afeta um orçamento que visa o coletivo”, avalia o coordenador de mestrado profissional em Economia e Mercados da universidade Mackenzie de São Paulo e pesquisador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica, Vladimir Fernandes Maciel.
O cenário observado em São Caetano, onde mensalmente são gastos R$ 300 mil com a compra de medicamentos fornecidos por liminares da Justiça, retrata o crescimento elevado da judicialização da Saúde na região. Segundo a Prefeitura, neste ano, em alguns meses foi registrada a entrada de até quatro processos judiciais por semana. Atualmente são 330 pacientes cadastrados.“Tivemos grande aumento de solicitação de bombas de insulina, que possuem um preço bastante elevado, em torno de R$ 20 mil. Outros insumos, como cateteres, são liberados mensalmente, correspondendo a cerca de R$ 3.000 para cada paciente”, destacou o Paço em nota.
Os demais municípios da região que encaminharam seus dados ao Diário também apresentam gasto elevado com ações judiciais. Em São Bernardo, o montante, que no ano passado foi de R$ 2 milhões, neste ano, no primeiro semestre chega a R$ 662 mil. Ao todo, o município fornece medicamentos e insumos para 389 pacientes. Diadema atendeu até o momento 178 pacientes, sendo que despendeu R$ 258 mil para atender sentenças da Justiça
Vistas como problema que precisa ser combatido pelo poder público, as ações judiciais – que municípios têm recebido cada vez mais – viraram pauta, inclusive, no Estado. “O problema da judicialização cresceu de forma exponencial e assustadora nos últimos anos, em todo o Brasil, desestruturando a lógica de funcionamento do SUS e suas competências”, afirma o secretário estadual de Saúde, David Uip.
Especialistas criticam decisões judiciais
Embora ressaltem, de modo geral, a legitimidade do Poder Judiciário nas ações que envolvem a obrigatoriedade no fornecimento de medicamentos pelo poder público, especialistas criticam a maneira como magistrados têm sobreposto o direito individual ao coletivo em suas decisões. Na avaliação de profissionais de Direito e Economia ouvidos pelo <CF52>Diário</CF>, a judicialização da Saúde tem causado cada vez mais impacto direto nas contas de administrações municipais e de Estados.
“Na maioria das vezes, essas demandas chegam ao Poder Judiciário de forma individualizada e o magistrado, em um caso específico, não consegue ter uma visão geral do sistema de Saúde e o sistema financeiro do ente federativo. As decisões acabam, por vezes, sendo tomadas sem a real noção de sua consequência para o coletivo”, avalia a advogada e professora da Faculdade de Direito de São Bernardo Bianca Richter.
Segundo a especialista, embora a Justiça não possa “sofrer nenhum tipo de limitação, pois é um direito fundamental de todos diante de uma violação ou ameaça de lesão ao direito”, a situação vivida pelo País precisa ser analisada com cautela. “Até que ponto o Poder Judiciário pode interferir na esfera de autuação dos outros dois poderes, Executivo e Legislativo, incumbidos da efetivação e da elaboração de políticas públicas de Saúde?”, pondera.
Para o coordenador de mestrado profissional em Economia e Mercados da universidade Mackenzie de São Paulo e pesquisador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica Vladimir Fernandes Maciel, a discussão vai muito além da interferência da Justiça. “É muito claro o quanto essa judicialização tem interferido nas receitas de prefeituras e Estados. No entanto, precisamos entender também que todas essas ações viraram grande negócio para a indústria farmacêutica. Nota-se que muitas vezes especialistas indicam determinado remédio, não incluso na tabela SUS (Sistema Único de Saúde), mas que poderia facilmente ser substituído por um fornecido pela rede pública”. De acordo com o especialista, é preciso que o poder público crie auditoria para controle interno de ações judiciais. “Essa equipe irá fazer um pente-fino para ver a procedência de cada caso”, sugere.
STF discute se governos devem ser obrigados a atender ações
O STF (Supremo Tribunal Federal) ainda analisa a validade de decisões judiciais que determinam o fornecimento de medicamentos de alto custo sem registro na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). A expectativa do poder público é a de que a discussão faça com que os processos judiciais não cresçam, fenômeno registrado nos últimos anos.
Embora o último julgamento, no dia 28 de setembro, tenha sido interrompido – sem nova data para retorno à pauta –, ministros sugeriram a adoção de critérios na análise das ações judiciais que pedem o fornecimento de medicamentos não inclusos na tabela SUS (Sistema Único de Saúde).
Até o momento, três ministros já se posicionaram a favor do fornecimento de medicamentos de alto custo por meio de ações judiciais. No entanto, todos com ressalvas.
O ministro Marco Aurélio Mello, por exemplo, se mostrou favorável, desde que o paciente não tenha condições financeiras. Já o ministro Luís Roberto Barroso, que também é a favor, destacou que a medida deve valer somente para medicamentos que estão na lista do SUS. Caso eles não constem na relação, só será válido em algumas exceções.
Via Diário do Grande ABC
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