A remuneração mensal dos profissionais da magistratura é definida pelo próprio Supremo e, em tese, o salário dos integrantes da mais alta instância do Poder Judiciário do País é o maior de todos os servidores públicos. Na prática, porém, a situação é diferente. Remunerações extras (os chamados penduricalhos), pagas aos magistrados das sete cidades, somadas a diversos outros ganhos trabalhistas (férias, serviços extras e pagamentos retroativos), elevam os contracheques e, em alguns casos, são responsáveis por dobrar os salários de juízes da região em apenas um mês.
Essas vantagens pessoais incluem verba adicional por tempo de serviço, vantagens decorrentes de sentenças judiciais, abono de permanência, auxílios alimentação, transporte, moradia, pré-escola e ajuda de custo. Nada disso é pago de forma ilegal. Todas essas verbas extras são amparadas por leis específicas e resoluções do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
No mês de setembro do ano passado, por exemplo, um juiz de vara criminal em São Bernardo recebeu R$ 74.466,39 em redimentos, segundo dados da folha de pagamento disponível no site do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo). Além do salário de juiz de Direito de primeira instância (R$ 28,9 mil), outros subsídios e ganhos atrelados à carreira inflaram o holerite.
No mês seguinte, com a redução dos penduricalhos, o contracheque deste mesmo magistrado foi reduzido para R$ 40,6 mil. Ainda assim, ele recebeu quase duas vezes mais que o rendimento líquido da ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo, naquele mês: R$ 24,9 mil.
Existem situações em que até a remuneração de juízes substitutos supera os honorários dos ministros do STF. Mais: até a média dos rendimentos de cerca de 100 magistrados da região no mês de setembro (R$ 39,9 mil) é maior que o salário pago aos magistrados da Suprema Corte.
Com os supersalários, a folha de pagamento do TJ-SP atinge a marca de aproximadamente R$ 100 milhões por mês. A receita do órgão é proveniente de repasses do governo do Estado.
O tema é polêmico e gera divergências entre os especialistas. Para o professor de Direito Constitucional da PUC-SP (Pontíficia Universidade Católica) Luiz Tarcísio, os penduricalhos são “subterfúgios para superar o teto constitucional”. “O problema não é o salário (bruto, dos juízes), são os penduricalhos que vão sendo incorporados. São essas vantagens pessoais que vão sendo adicionadas, amparadas por lei. Essas leis é que me parecem inconstitucionais. No final das contas são subterfúgios para superar o teto constitucional”, avalia. Sobre as remunerações serem amparadas por legislações, o jurista é taxativo. “Não adianta esse argumento, é falacioso. É logico que ele é conferido por lei. Se não fosse, nem poderia ser pago”, analisa.
DEBATE NO STF
A constitucionalidade dos penduricalhos, isto é, se os ganhos adicionais devem ou não ser calculados dentro do teto, ainda é motivo de debate dentro do próprio STF e, curiosamente, há pelo menos quatro anos uma ação da Procuradoria-Geral da República que questiona esses ganhos está parada no gabinete do ministro Luiz Fux.
“Enquanto o Supremo não definir esse tema de forma derradeira, existirá uma dúvida. Hoje, da forma como está posto, (os supersalários) são legais. A ausência de decisão por parte do STF traz constrangimento para toda a sociedade”, frisa o professor de Direito Constitucional da PUC-PR e fundador da Academia Brasileira de Direito Constitucional, Flávio Pansieri.
Ao Diário, o TJ-SP, responsável pelos magistrados que trabalham nas cidades paulistas, justificou que as indenizações adicionais são amparadas pelo princípio da irredutibilidade, pagas aos juízes para evitar distorções salariais e estão em consonância com as resoluções 13 e 14 do CNJ (que dispõem sobre a aplicação do teto remuneratório) e que todos os pagamentos “são realizados dentro da mais estrita legalidade e com plena transparência”. “Magistrados e servidores do Judiciário, assim como todos os trabalhadores da iniciativa privada ou pública, fazem jus a verbas indenizatórias (auxílios previstos em lei) e ao abono de permanência, que se agregam ao total da remuneração nos demonstrativos de pagamento emitidos e que, por sua natureza, não estão submetidos ao teto constitucional”, sustentou o Tribunal, por meio de nota.
A AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) seguiu a mesma defesa. “A remuneração dos magistrados respeita o teto constitucional. A Constituição prevê, porém, o direito a verbas indenizatórias e pagamentos por trabalho extraordinário, como tem direito todo trabalhador. Essas verbas não se incluem no teto salarial, que foi criado como forma de impedir que juízes de instância inferior ganhassem mais que os ministros do STF.”
O CNJ também foi questionado sobre o assunto, mas não se manifestou até o fechamento desta edição.
Extraído do DGABC - Junior Carvalho (Colaborou Felipe Siqueira)